quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Lamento

É triste mas é verdade. Embora cada vez mais presente em nosso cotidiano estamos deixando que a música perca sentido pra nós. Conversando com um amigo, alguns dias atrás, falando de várias coisas distintas chegamos em um assunto muito comum às minhas conversas: música. Ai, já viu, conversa para, pelo menos, uma noite inteira. No meio do assunto que contava com temas tipo, melhores instrumentos, setups usados por nós, cantores, cantoras e bandas preferidas, melhores discos, melhores vídeos e mais umas duas ou três pás de temas nos quais não chegaríamos à conclusão alguma, além da que já tínhamos, esse amigo me saiu com uma que, sempre que a ouço, fico um pouco perplexo: “– Você já viu o DVD do Arnaldo Antunes? Achei tão bom que faço questão de comprar o original!!”. Ouvir isso sempre me remete a um monte de coisas. A primeira é que não acho normal a opção contrária à compra do original. Não mesmo. Ainda mais pelos argumentos que comumente ouço: “- O CD/DVD tá muito caro!”; “- O artista ganha dinheiro mesmo é no show!”; “- Não vou dar dinheiro pra gravadora porque ela paga mal aos artistas!”; “- O pirata ajuda a divulgar o artista!”; entre outras sempre do mesmo gênero. Como se esses fatos fossem uma espécie de álibi que permitisse cometer essa contravenção (se houver algum advogado lendo, me corrija se eu estiver errado.). Como se fosse uma coisa menor, que mal há em comprar o pirata, é mais barato e é a mesma coisa? Ainda ajuda um pobre coitado a sustentar a família. Quase uma ação social. Mas não é. A meu ver esses argumentos encobrem uma falta de valor à música e ao artista.

Comprar CD/DVD pirata é um erro, você efetivamente tira dinheiro de quem investe (gravadoras e artistas) e dá a um aproveitador qualquer, na verdade, um ladrão qualquer, que rouba o investimento feito sobre uma obra intelectiva e apenas colhe os lucros. Sobre “baixar” coisas da Internet já é mais complicado falar. Infelizmente muitos dos grandes discos da nossa música ainda não tiveram reedição em CD, os 2 volumes do Tim Maia Racional só recentemente foram reeditados e são dois álbuns significativos da música brasileira, não pela poesia mas pela sonoridade, pelo novo conceito musical proposto, pelas fusões criadas e propostas por Tim. Outros artistas, mais novos, têm dificuldades em distribuir seus discos, fica difícil adquirir seus discos só nos restando procurá-los na rede. Precisamos das referências que nos estão sendo negadas por uma indústria que aposta em fórmulas e padrões pré-estabelecidos, que faz da arte um comércio, nada errado ai, mas o faz através de campanhas de marketing iguais a usadas em campanhas de amaciantes. Se nessas campanhas eles garantem roupas mais macias e cheirosas como slogan, a indústria da fórmula musical pronta oferece “estado de espírito”, “ compre seu abadá e seja mais feliz!”. Ponto pra eles. Todos estão ricos. Eu to aqui lamentando.

Ponto de vista: se o CD/DVD ta caro, não compre. É um produto caro mesmo, não o disquinho, mas toda produção envolvida. Se a gravadora paga mal aos artistas, problema deles. Foram eles que resolveram assinar um contrato cara e outra coisa que não vou escrever aqui por respeito a todos, onde a gravadora entra com a cara e o artista com o....... deixa pra lá. O fato é que bem ou mal a gravadora paga o combinado. Acho engraçado a bandeira levantada contra as gravadoras quando o ECAD é um órgão muito mais estranho e de funcionamento duvidoso, responsável por recolher os direitos de execução dos artistas nos shows, na TV e na rádio. Nunca soube de ninguém que tenha deixado de ir a algum show, de ver TV ou tenha desligado o rádio pelo ECAD não repassar corretamente, ou, pra ser mais justo, de forma mais clara, o dinheiro arrecadado.

Parece-me que hoje a música se tornou puro entretenimento. Uma parcela grande da população não se importa mais com o artista, ou melhor dizendo, com a arte produzida. O que importa hoje é o “estado de espírito” colado na imagem do artista pelo seu departamento de marketing. É assim com o povo do axé. Mérito deles. Descobriram isso antes de todos.

Mas dói. Dói o fato dos meios de comunicação apostarem nisso atrás do retorno comercial e financeiro. Dói a própria indústria produtora de arte também apostar em formatos pré-definidos de música. Apesar de meus ouvidos serem, modéstia a parte, “treinados”, por várias vezes me pego perguntando se a música que estou ouvindo agora não é a mesma que acabou de tocar nessa mesma rádio.

Claro que algumas pessoas não vêem mal algum nisso. Empresas como emissoras de rádio ou TV devem gerar lucro. Só que freqüências de rádio e TV são concessões públicas e, como tal, deveriam servir a todos. Mas infelizmente servem a uma minoria. A forma como se conduz a programação não deixa espaço para novos colegas. Não da ao povo a opção, o direito de escolher do que gosta ou não e assim se perpetua o ciclo. Com a galera tendo que digerir sempre as mesmas coisas, como arroz e feijão em que de vez em quando se coloca um paio pra se cozinhar junto com o feijão. Talvez seja só por essa espécie de continuísmo que é só anunciar o valor do primeiro lote de abadá para um evento “bombar”.

Mas meu verdadeiro lamento é por ver a música perdendo a guerra contra o comércio, pelo simples e péssimo hábito nacional de levar vantagem em tudo. Ao comprar um CD/DVD pirata, tirando os lucros de quem os produz (artistas e gravadoras) estamos impedindo a renovação do próprio artista e o surgimento de novos, criando uma bola de neve cada vez maior.

Lamento ainda mais o descaso dos que não vêem o que estão fazendo ao agir dessa forma. Todos nós temos nossas vidas rodeadas por músicas diversas. As que embalaram romances. As que nos remetem aos bons tempos de infância. Outras nos lembram de alguma viajem que tivemos, boas ou ruins, literais ou lisérgicas. Há as que nos remetem a um cheiro, a um toque. Tem umas que de tão belas causam frio na barriga e nos fazem lembrar até do amor não vivido como se estivéssemos vivenciando-o naquele exato momento, tamanho é o poder que têm.

É difícil entender a cabeça do povo. Se paga R$ 30,00 em uma cueca, um produto que tem vida útil estimada mas não se paga o mesmo valor por um CD/DVD, uma obra de arte, um disquinho de plástico, que se bem tratado tem vida útil indefinida, e que guarda nele possivelmente um pedaço de sua história, lembranças de coisas boas ou ruins, que sejam, mas invariavelmente o remete a algum lugar no tempo em sua memória.

Mas assim segue a batalha da música, dos artistas. Em um mundo cada vez mais difícil de se viver ainda existem pessoas e suas canções que ainda nos alegram os dias e as lembranças sem ao menos um “obrigado” e sim com um “me vê esse aqui por 5 real!”