quarta-feira, 21 de maio de 2008

O quanto vale a pena sonhar

As Origens Trágicas e Esquecidas do Primeiro de Maio

Maio já foi um mês diferente de qualquer outro. No primeiro dia desse mês as tropas e as polícias ficavam de prontidão, os patrões se preparavam para enfrentar problemas e os trabalhadores não sabiam se no dia 2 teriam emprego, liberdade ou até a vida.

Hoje, tudo isso foi esquecido. A memória histórica dos povos é pior do que a de um octogenário esclerosado, com raros momentos de lucidez, intercalados por longos períodos de amnésia. Poucos são os trabalhadores, ou até os sindicalistas, que conhecem a origem do 1° de maio. Muitos pensam que é um feriado decretado pelo governo, outros imaginam que é um dia santo em homenagem a S. José; existem até aqueles que pensam que foi o seu patrão que inventou um dia especial para a empresa oferecer um churrasco aos "seus" trabalhadores. Também existem - ou existiam - aqueles, que nos países ditos socialistas, pensavam que o 1° de maio era o dia do exército, já que sempre viam as tropas desfilar nesse dia seus aparatos militares para provar o poder do Estado e das burocracias vermelhas.

As origens do 1° de maio prendem-se com a proposta dos trabalhadores organizados na Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) declarar um dia de luta pelas oito horas de trabalho. Mas foram os acontecimentos de Chicago, de 1886, que vieram a dar-lhe o seu definitivo significado de dia internacional de luta dos trabalhadores.

No século XIX era comum (situação que se manteve até aos começos do século XX) o trabalho de crianças, grávidas e trabalhadores ao longo de extenuantes jornadas de trabalho que reproduziam a tradicional jornada de sol-a-sol dos agricultores. Vários reformadores sociais já tinham proposto em várias épocas a idéia de dividir o dia em três períodos: oito horas de trabalho, oito horas de sono e oito horas de lazer e estudo, proposta que, como sempre, era vista como utópica, pelos realistas no poder.

Com o desenvolvimento do associativismo operário, e particularmente do sindicalismo autônomo, a proposta das 8 horas de jornada máxima, tornou-se um dos objetivos centrais das lutas operárias, marcando o imaginário e a cultura operária durante décadas em que foi importante fator de mobilização, mas, ao mesmo tempo, causa da violenta repressão e das inúmeras prisões e mortes de trabalhadores.

Desde a década de 20 do século passado, irromperam em várias locais greves pelas oitos horas, sendo os operários ingleses dos primeiros a declarar greve com esse objetivo. Aos poucos em França e por toda a Europa continental, depois nos EUA e na Austrália, a luta pelas oitos horas tornou-se uma das reivindicações mais freqüentes que os operários colocavam ao Capital e ao Estado.

Quando milhares de trabalhadores de Chicago, tal como de muitas outras cidades americanas, foram para as ruas no 1° de maio de 1886, seguindo os apelos dos sindicatos, não esperavam a tragédia que marcaria para sempre esta data. No dia 4 de maio, durante novas manifestações na Praça Haymarket, uma explosão no meio da manifestação serviu como justificativa para a repressão brutal que seguiu, que provocou mais de 100 mortos e a prisão de dezenas de militantes operários e anarquistas.

Alberto Parsons um dos oradores do comício de Haymarket, conhecido militante anarquista, tipógrafo de 39 anos, que não tinha sido preso durante os acontecimentos, apresentou-se voluntariamente à polícia tendo declarado: "Se é necessário subir também ao cadafalso pelos direitos dos trabalhadores, pela causa da liberdade e para melhorar a sorte dos oprimidos, aqui estou". Junto com August Spies, tipógrafo de 32 anos, Adolf Fischer tipógrafo de 31 anos, George Engel tipógrafo de 51 anos, Ludwig Lingg, carpinteiro de 23 anos, Michael Schwab, encadernador de 34 anos, Samuel Fielden, operário têxtil de 39 anos e Oscar Neeb seriam julgados e condenados. Tendo os quatro primeiros sido condenados à forca, Parsons, Fischer, Spies e Engel executados em 11 de novembro de 1887, enquanto Lingg se suicidou na cela. Augusto Spies declarou profeticamente, antes de morrer: "Virá o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso que as vozes que nos estrangulais hoje".

Este episódio marcante do sindicalismo, conhecido como os "Mártires de Chicago", tornou-se o símbolo e marco para uma luta que a partir daí se generalizaria por todo o mundo.
O crime do Estado americano, idêntico ao de muitos outros Estados, que continuaram durante muitas décadas a reprimir as lutas operárias, inclusive as manifestações de 1° de maio, era produto de sociedades onde os interesses dominantes não necessitavam sequer ser dissimulados. Na época, o Chicago Times afirmava: "A prisão e os trabalhos forçados são a única solução adequada para a questão social", mas outros jornais eram ainda mais explícitos como o New York Tribune: "Estes brutos [os operários] só compreendem a força, uma força que possam recordar durante várias gerações..." Seis anos mais tarde, em 1893, a condenação seria anulada e reconhecido o caráter político e persecutório do julgamento, sendo então libertados os réus ainda presos, numa manifestação comum do reconhecimento tardio do terror de Estado, que se viria a repetir no também célebre episódio de Sacco e Vanzetti.

A partir da década de 90, com a decisão do Congresso de 1888 da Federação do Trabalho Americana e do Congresso Socialista de Paris, de 1889, declararem o primeiro de maio como dia internacional de luta dos trabalhadores, o sindicalismo em todo o mundo adotou essa data simbólica, mesmo se mantendo até ao nosso século como um feriado ilegal, que sempre gerava conflitos e repressão.

Segundo o historiador do movimento operário, Edgar Rodrigues, a primeira tentativa de comemorar o 1 de maio no Brasil foi em 1894, em São Paulo, por iniciativa do anarquista italiano Artur Campagnoli, iniciativa frustrada pelas prisões desencadeadas pela polícia. No entanto, na década seguinte, iniciaram-se as comemorações do 1 de maio em várias cidades, sendo publicados vários jornais especiais dedicados ao dia dos trabalhadores e números especiais da imprensa operária comemorando a data. São Paulo, Santos, Porto Alegre, Pelotas, Curitiba e Rio de Janeiro foram alguns dos centros urbanos onde o nascente sindicalismo brasileiro todos os anos comemorava esse dia à margem da legalidade dominante.

Foram décadas de luta dos trabalhadores para consolidar a liberdade de organização e expressão, que a Revolução Francesa havia prometido aos cidadãos, mas que só havia concedido na prática à burguesia, que pretendia guardar para si os privilégios do velho regime.
Um após outro, os países, tiveram de reconhecer aos novos descamisados seus direitos. O 1° de maio tornou-se então um dia a mais do calendário civil, sob o inócuo título de feriado nacional, como se décadas de lutas, prisões e mortes se tornassem então um detalhe secundário de uma data concedida de forma benevolente, pelo Capital e pelo Estado em nome de S. José ou do dia, não dos trabalhadores, mas numa curiosa contradição, como dia do trabalho. Hoje, olhando os manuais de história e os discursos políticos, parece que os direitos sociais dos trabalhadores foram uma concessão generosa do Estado do Bem-Estar Social ou, pior ainda, de autoritários "pais dos pobres" do tipo de Vargas ou Perón.

Quanto às oitos horas de trabalho, essa reivindicação que daria origem ao 1º de maio, adquiriu status de lei, oficializando o que o movimento social tinha já proclamado contra a lei. Mas passado mais de um século, num mundo totalmente diferente, com todos os progressos tecnológicos e da automação, que permitiram ampliar a produtividade do trabalho a níveis inimagináveis, as oitos horas persistem ainda como jornada de trabalho de largos setores de assalariados! Sem que o objetivo das seis ou quatro horas de trabalho se tornem um ponto central do sindicalismo, também ele vítima de uma decadência irrecuperável, numa sociedade onde cada vez menos trabalhadores terão trabalho e onde a mutação para uma sociedade pós-salarial se irá impor como dilema de futuro. Exigindo a distribuição do trabalho e da riqueza segundo critérios de eqüidade social que o movimento operário e social apontou ao longo de mais de um século de lutas.

Jorge E. Silva - Membro do Centro de Estudos Cultura e Cidadania - Florianópolis (CECCA)

http://nodo50.org/insurgentes/textos/mundo/19origensprimeiromaio.htm

domingo, 11 de maio de 2008

Sobre a necessida de sonhar.

Sonho: (lat somniu) sm 1 Representação em nossa mente de alguma coisa ou fato, enquanto dormimos. 2 Coisa imaginada, mas sem existência real no mundo dos sentidos. 3 Idéia com a qual nos orgulhamos; idéia que alimentamos; pensamento dominante que seguimos com interesse ou paixão.

Sonhar: (lat somniare) vint 1 Ter um sonho ou sonhos. vti 2 Ver (alguém ou alguma coisa) em sonho, conviver ou comunicar-se com, em sonho. vint 3 Delirar. vint 4 Entregar-se a devaneios e fantasias; idealizar. vtd e vti 5 Alimentar, pôr na imaginação. vtd 6 Adivinhar, fazer idéia de, imaginar, prever, supor, suspeitar.

Utopia: (gr ou+gr tópos+ia1) sf 1 Plano ou sonho irrealizável. 2 Fantasia (Dicionário Michaelis, 2002)

Sempre é bom, né!??!? Sonhar! Nunca conheci quem não goste. Não falo aqui do sonho da noite, durante o sono, mas do exercício lúdico de imaginar, projetar coisas que não necessariamente precisam acontecer. É um exercício extremamente prazeroso que desde muito cedo aprendemos a realizar, e bem! Chego a acreditar que os sonhos movem o mundo. O meu mundo com certeza move. O melhor do sonho, muitas vezes, é quando ele deixa o campo do imaginário e passa a habitar o concreto. É raro, mas acontece.

Acredito ser raro os casos de sonhos se transformarem em algo palpável pelo descrédito dado a quem tenta vivenciar seu sonho. A frase “fulano é um sonhador” é quase sempre usada de modo pejorativo. A racionalização do mundo e o advento da ideologia cientista criaram no mundo um ambiente hostil ao pensamento utópico, como afirma Boaventura de Souza Santos (http://pt.wikipedia.org/wiki/Boaventura_de_Sousa_Santos) em seu texto “Não disparem sobre o utopista.”, de 2001. Eu diria um pouco mais. Diria que o pragmatismo adotado pela ideologia vigente impõe ao sonhador uma condição de alienado perante o resto do mundo. Acontece que por definição marxista, e de modo bem simplificado, a alienação ocorre quando o sujeito não se reconhece na atividade que exerce, o que não se aplica ao sonhador.

Acho eu que sonhar deveria ser encorajado. Acredito também que sonhos têm o poder de mudar o mundo, nem que seja apenas o seu; o que deveria ser suficiente.

Em sonhos se tem a oportunidade de ter contato com as soluções possíveis para um determinado problema, inicialmente visto como algo difícil de ser resolvido. Conseguimos observar algumas dificuldades a partir de um outro ponto de vista e fazemos algo que o mundo real muitas vezes não nos deixa realizar que é explorar e esgotar todas as possibilidades de qualquer coisa que se queira. Ainda podemos estar ao lado de quem se gosta, mesmo longe. Ou podemos voltar aos melhores momentos de nossas vidas, em muitos casos com uma “veracidade” impressionante por estarmos sendo capaz, nesse momento, de reviver as cenas com a textura do toque, o aroma do momento e o gosto do dia. Algumas pessoas podem perguntar qual a vantagem disso, já que, em alguns casos, esses fatos já fazem parte de um passado que, talvez, realmente não possa se tornar presente uma vez mais. A quem me perguntar isso eu respondo: não imagino qual seria a vantagem, mas, tenho certeza que após todo esse exercício e com a mente tomada de boas recordações amplamente exploradas nesse lúdico exercício podemos tomar um novo fôlego para encarar as agruras dos dias rotineiros e embaçados pelas necessidades de um mundo cada vez mais cinza e difícil de viver. Deixo a essas pessoas uma pergunta também: por que não se deixar sonhar? Talvez a falta do pensamento utópico seja a grande responsável pela falta de realizações tanto em âmbito pessoal quanto em escalas maiores, como a política.

Sonho pra mim, também se relaciona com esperança. Por mais ingênuo que seja realmente sonho com dias melhores para todos, com uma política mais honesta, com o fim da filosofia “farinha pouca, meu pirão primeiro”, e sonho acordado com isso. Também me esforço ao máximo para trabalhar por meus sonhos, pois vejo o mundo de hoje como a realização dos sonhos dos que passaram por esse plano antes de nós. Foram os sonhos destes que fizeram o mundo ser do modo como o vivemos hoje. E estamos deixando de sonhar. Por puro comodismo, cada vez mais pessoas estão deixando que a ciência, os políticos ou qualquer outro sei-lá-o-que façam por elas qualquer coisa que deixe o mundo um lugar mais ameno para se viver, ao invés de trabalhar por ele, trabalha-se para ele. E assim se vive os sonhos dos outros sem se dar conta e vivemos cada vez mais resignados por não vivermos os nossos.

Encerro com uma reflexão feita por Boaventura, no mesmo texto citado acima: “Não será que a morte do futuro, que hoje receamos tão profundamente, foi há muito tempo anunciada pela morte da utopia?”.

Eu nunca vou deixar de sonhar!

quinta-feira, 13 de março de 2008

Aos 30

O mês de fevereiro começou bem interessante, afinal começou bem, já com o carnaval em seu início. Para os que consideram que o ano efetivamente só começa após a folia de momo o ano começou cedo, cabe decidir se isso foi bom ou ruim. Ainda em fevereiro tivemos um fato que com certeza entrará para história: Fidel Castro passa o poder em Cuba após 49 anos à frente de seu governo. Com comemorações de uns e lamentações de outros, o fato é que se trata do, talvez, maior personagem de nossa história moderna sendo vencido pelo tempo. Ainda tivemos o ápice do caso dos cartões corporativos (que por sinal, como anda?), o anúncio de que a nova coqueluche do momento para os nem tão antenados assim, a bolsa de valores, foi indicada como melhor investimento do mês e Bob Dylan veio ao Brasil. Mas nada disso me tirou da cabeça o que ainda estava por vir: meu 30º aniversário.

Excetuando o dia em que acordei com 25 anos e imaginei a vida como um circuito oval de automobilismo, onde você tem a linha de largada (que por sinal é a de chegada) a reta oposta e duas curvas (as curvas representariam a passagem de uma década para outra e as retas as décadas propriamente ditas a serem enfrentadas, o que me apavorou por um dia pelo fato de, na minha cabeça, eu estar bem no meio da curva e todo mundo sabe que não se freia em curvas) sempre fui um cara bem resolvido quanto a esse lance de idade. Tanto que nunca mais pensei no assunto. Até o início do mês que passou.

Com tantas coisas que tinha a fazer durante esse mês, esse pensamento sombrio me atormentou durante todos os dias, chegando a me impedir de escrever o texto que estava programando para esse mês. Toda vez em que me prontificava a escrevê-lo, minha cabeça era inundada com a angústia da proximidade dos 30.

Pensei que seria mais fácil escrever sobre a idade consagrada por Balzac. Parecia-me lugar comum querer dissertar sobre esse tema, muitos após ele já transcreveram suas dúvidas, incertezas e expectativas sobre, ainda muitos foram os amigos que já se angustiaram e partilharam dessa angústia conosco. Acontece que com a proximidade dos meus 30 anos eu entendi de verdade o que representa para alguém a chegada da terceira década.

Minha primeira lição aos 30 foi descobrir como é difícil escrever sobre. Sei que outras ainda estão por vir. Ainda mais quando se resolve abraçar o mundo do jeito que resolvi fazer esse ano, e ele ainda ta só começando.

O pior dos 30, eu também já descobri, e não é a proximidade dos 40. São as incertezas. É diferente quando você não tem certezas antes dos 30, afinal, antes, você só têm vinte e poucos anos. Aos 30 as mesmas incertezas pesam, e muito.

É estranho, mas coisas que já haviam ficado para trás se reavivam na memória. Escolhas que já tínhamos feito anteriormente de forma aparentemente correta agora retornam anuviadas. Um turbilhão de coisas. Ao menos para mim. Desculpas a quem discorda ou para quem não passou por isso.

Hoje entendo que fazer 30 anos é dar a mão ao resto de sua vida, não que o resto seja breve, e nem necessariamente resto no sentido de resíduo ou sobra. Mas talvez as coisas tenham que tomar outro rumo; ou deveria; ou talvez não, quem sabe?!?!?

Por fim termino esse texto com a impressão de se tratar sobre um tempo de escolhas, novos rumos e sem conseguir transcrever em linha alguma o real significado do que está sendo ter 30 e, sendo assim, pedindo desculpas a quem perdeu algum tempo lendo essa parca reflexão de um cara angustiado com a passagem do tempo.

Obrigado

Marcio Xavier

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Vitória!?!?

Terça-feira, 29 de janeiro foi um bom dia para a produção artística e cultural do ES. Foram lançados, por meio de concurso público, 12 editais para fomentação, promoção e divulgação da produção artística local. Ufa!!! Tava na hora. O Estado não possui uma lei de incentivo à cultura, nunca tinha entendido o porquê disso, mas em seu discurso o governador Paulo Hartung explicou aos presentes a “posição do Estado de não se considerar responsável pela produção cultural, mas sim pelo fomento e indução de uma política pública de acesso, criação de oportunidades de expressão e de auto-afirmação de todos os capixabas”. Mas essa é uma posição do atual governo, e os anteriores?!? Acho que vamos ficar sem essas explicações. De qualquer forma, dois pontos pra PH. Pela iniciativa e pela forma de pensar. A meu ver o poder público não deve mesmo simplesmente financiar as manifestações culturais, e sim criar os dispositivos necessários para que a população se interesse pela arte. Cabe aos artistas e profissionais do meio tornarem seus negócios rentáveis e lucrativos por si só, o papel do Estado é outro. Ou deveria.

Ao menos no que me recordo (muito por ter lido, pois o assunto me interessa e eu não tenho idade pra ter vivido isso) nos últimos 20 anos, aproximadamente, criou-se um mito sobre a obrigatoriedade do Estado financiar manifestações artísticas, criando uma espécie de assistencialismo para a classe artística. Depois da criação da Lei Rouanet em 1991, todo mundo resolveu pedir a benção ao papai, seja lá qual for o pai da vez. Nada errado nisso, se é um direito que temos, porque não, né?!?! Pergunta: e como era antes, alguém sabe? Quando essa lei não existia, como as coisas eram feitas? Porque eram feitas coisas. Mas se tem, vamos usar. Pra mim o certo é não ter. Nada. Se bem que nada é o que temos, pelo menos aqui no ES, e não são 2 milhões de reais que irão mudar isso.

O que precisamos é de respeito. Claro que o dinheiro é bem vindo, mas precisamos que o preconceito quanto ao “artista local” seja extinto. No ES existe uma “cultura” de que, se o artista é residente no Estado, ele não pode ser bom. O que é bom tá lá fora. Será? Quem disse? A TV? O rádio? Talvez, só talvez, o que falte seja uma oportunidade de se mostrar. E aí fica difícil. É difícil se mostrar bom quando em eventos patrocinados pelo poder público de forma geral coloca-se um palco de 3 metros de altura com 20 metros de largura para um “artista nacional” e os “artistas locais” encaram um palco de meio metro de altura por 6 de largura. Assim não dá!!! Dessa forma vamos ser sempre a “bandinha de um amigo”. Ainda temos outras dificuldades técnicas difíceis de serem resolvidas graças ao preconceito. Nossos artistas encontram dificuldades em se apresentar em equipamentos de som e luz adequados por puro preconceito. Como se a nós não fosse permitido pleitear condições adequadas de trabalho. Parece que exigimos demais. Temos que nos apresentar do jeito que nos é oferecido ou nada. Esse pensamento é recorrente a contratantes em geral, empresas de som e luz, etc. Quantas vezes ouvimos coisas do tipo “meu amigo, fulano já tocou nesse som, com essa luz e você fica aÍ fazendo graça?!?!”. Esquecem de uma coisa, nós não somos fulano, somos nós. Nossas necessidades são outras. Um som ou luz que atende ao Zezé (ele mesmo, o filho do Francisco) não necessariamente atende ao O Rappa, assim como, talvez, não atenda ao Símios, Moxuara, Casaca, Mahnimal ou Rastaclone, simplesmente por termos necessidades diferentes. Mas nós não podemos reivindicar nada, ofende a quem está nos fazendo o grande “favor”.

Tudo bem, eu assumo, não somos melhores que Jorge Benjor, Gilberto Gil, Zezé e mais todos os outros artistas que vocês possam pensar nesse momento. Não somos mesmo.

Mas não somos piores. Nossas músicas são tão boas quanto as deles. Só são outras músicas. Diferentes. Menos conhecidas?!?! Podem ser. Mas definitivamente não são piores.

No último aniversário de Vitória aconteceu tudo isso que acabei de escrever acima. Um palco enorme pro Jorge Benjor montado prontinho pra ele e uma lona de circo onde se apresentaram vários artistas residentes aqui no ES. Por que não puseram todos no palco, que contava com uma estrutura impecável de som e luz, onde todos poderiam se apresentar com dignidade e se orgulhar de ser artista, de apresentar ao público o melhor que eles podem ser e fazer? Por que as apresentações que ocorreram durante a semana não tiveram a mesma projeção quanto o grande show do Benjor? Todos nós, que trabalhamos no meio, sabemos que existia condição técnica o suficiente para que isso ocorresse. Ao CASACA foi dado o título de “banda de abertura” pela condição de nós termos o “privilégio” de “dividir o palco” com o grande astro da noite. Nada contra Jorge, ao contrário, muita reverência e admiração. O legal é que o CASACA questionou tudo o que já escrevi, e como resposta ficou fora da programação de verão da Prefeitura de Vitória e está, digamos, “de castigo” em uma emissora de TV do ES, sem poder se apresentar ou dar entrevistas em seus programas. Eles estão certos, fomos muito mal educados mesmo em questioná-los, afinal a cavalo dado não se olha os dentes, não é assim? Desculpas. Para ser artista no Estado do ES é necessário submeter-se à vontade dos outros sem contestar. Uma condição difícil, pois vai contra a natureza da arte. Ou talvez sejamos todos mesmo artistas domados, já não sei mais.

De toda forma, parabéns ao governo do Estado, mas apenas pelos editais. Talvez com esse dinheiro que foi disponibilizado possamos comprar o respeito que nos é negado.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Lamento

É triste mas é verdade. Embora cada vez mais presente em nosso cotidiano estamos deixando que a música perca sentido pra nós. Conversando com um amigo, alguns dias atrás, falando de várias coisas distintas chegamos em um assunto muito comum às minhas conversas: música. Ai, já viu, conversa para, pelo menos, uma noite inteira. No meio do assunto que contava com temas tipo, melhores instrumentos, setups usados por nós, cantores, cantoras e bandas preferidas, melhores discos, melhores vídeos e mais umas duas ou três pás de temas nos quais não chegaríamos à conclusão alguma, além da que já tínhamos, esse amigo me saiu com uma que, sempre que a ouço, fico um pouco perplexo: “– Você já viu o DVD do Arnaldo Antunes? Achei tão bom que faço questão de comprar o original!!”. Ouvir isso sempre me remete a um monte de coisas. A primeira é que não acho normal a opção contrária à compra do original. Não mesmo. Ainda mais pelos argumentos que comumente ouço: “- O CD/DVD tá muito caro!”; “- O artista ganha dinheiro mesmo é no show!”; “- Não vou dar dinheiro pra gravadora porque ela paga mal aos artistas!”; “- O pirata ajuda a divulgar o artista!”; entre outras sempre do mesmo gênero. Como se esses fatos fossem uma espécie de álibi que permitisse cometer essa contravenção (se houver algum advogado lendo, me corrija se eu estiver errado.). Como se fosse uma coisa menor, que mal há em comprar o pirata, é mais barato e é a mesma coisa? Ainda ajuda um pobre coitado a sustentar a família. Quase uma ação social. Mas não é. A meu ver esses argumentos encobrem uma falta de valor à música e ao artista.

Comprar CD/DVD pirata é um erro, você efetivamente tira dinheiro de quem investe (gravadoras e artistas) e dá a um aproveitador qualquer, na verdade, um ladrão qualquer, que rouba o investimento feito sobre uma obra intelectiva e apenas colhe os lucros. Sobre “baixar” coisas da Internet já é mais complicado falar. Infelizmente muitos dos grandes discos da nossa música ainda não tiveram reedição em CD, os 2 volumes do Tim Maia Racional só recentemente foram reeditados e são dois álbuns significativos da música brasileira, não pela poesia mas pela sonoridade, pelo novo conceito musical proposto, pelas fusões criadas e propostas por Tim. Outros artistas, mais novos, têm dificuldades em distribuir seus discos, fica difícil adquirir seus discos só nos restando procurá-los na rede. Precisamos das referências que nos estão sendo negadas por uma indústria que aposta em fórmulas e padrões pré-estabelecidos, que faz da arte um comércio, nada errado ai, mas o faz através de campanhas de marketing iguais a usadas em campanhas de amaciantes. Se nessas campanhas eles garantem roupas mais macias e cheirosas como slogan, a indústria da fórmula musical pronta oferece “estado de espírito”, “ compre seu abadá e seja mais feliz!”. Ponto pra eles. Todos estão ricos. Eu to aqui lamentando.

Ponto de vista: se o CD/DVD ta caro, não compre. É um produto caro mesmo, não o disquinho, mas toda produção envolvida. Se a gravadora paga mal aos artistas, problema deles. Foram eles que resolveram assinar um contrato cara e outra coisa que não vou escrever aqui por respeito a todos, onde a gravadora entra com a cara e o artista com o....... deixa pra lá. O fato é que bem ou mal a gravadora paga o combinado. Acho engraçado a bandeira levantada contra as gravadoras quando o ECAD é um órgão muito mais estranho e de funcionamento duvidoso, responsável por recolher os direitos de execução dos artistas nos shows, na TV e na rádio. Nunca soube de ninguém que tenha deixado de ir a algum show, de ver TV ou tenha desligado o rádio pelo ECAD não repassar corretamente, ou, pra ser mais justo, de forma mais clara, o dinheiro arrecadado.

Parece-me que hoje a música se tornou puro entretenimento. Uma parcela grande da população não se importa mais com o artista, ou melhor dizendo, com a arte produzida. O que importa hoje é o “estado de espírito” colado na imagem do artista pelo seu departamento de marketing. É assim com o povo do axé. Mérito deles. Descobriram isso antes de todos.

Mas dói. Dói o fato dos meios de comunicação apostarem nisso atrás do retorno comercial e financeiro. Dói a própria indústria produtora de arte também apostar em formatos pré-definidos de música. Apesar de meus ouvidos serem, modéstia a parte, “treinados”, por várias vezes me pego perguntando se a música que estou ouvindo agora não é a mesma que acabou de tocar nessa mesma rádio.

Claro que algumas pessoas não vêem mal algum nisso. Empresas como emissoras de rádio ou TV devem gerar lucro. Só que freqüências de rádio e TV são concessões públicas e, como tal, deveriam servir a todos. Mas infelizmente servem a uma minoria. A forma como se conduz a programação não deixa espaço para novos colegas. Não da ao povo a opção, o direito de escolher do que gosta ou não e assim se perpetua o ciclo. Com a galera tendo que digerir sempre as mesmas coisas, como arroz e feijão em que de vez em quando se coloca um paio pra se cozinhar junto com o feijão. Talvez seja só por essa espécie de continuísmo que é só anunciar o valor do primeiro lote de abadá para um evento “bombar”.

Mas meu verdadeiro lamento é por ver a música perdendo a guerra contra o comércio, pelo simples e péssimo hábito nacional de levar vantagem em tudo. Ao comprar um CD/DVD pirata, tirando os lucros de quem os produz (artistas e gravadoras) estamos impedindo a renovação do próprio artista e o surgimento de novos, criando uma bola de neve cada vez maior.

Lamento ainda mais o descaso dos que não vêem o que estão fazendo ao agir dessa forma. Todos nós temos nossas vidas rodeadas por músicas diversas. As que embalaram romances. As que nos remetem aos bons tempos de infância. Outras nos lembram de alguma viajem que tivemos, boas ou ruins, literais ou lisérgicas. Há as que nos remetem a um cheiro, a um toque. Tem umas que de tão belas causam frio na barriga e nos fazem lembrar até do amor não vivido como se estivéssemos vivenciando-o naquele exato momento, tamanho é o poder que têm.

É difícil entender a cabeça do povo. Se paga R$ 30,00 em uma cueca, um produto que tem vida útil estimada mas não se paga o mesmo valor por um CD/DVD, uma obra de arte, um disquinho de plástico, que se bem tratado tem vida útil indefinida, e que guarda nele possivelmente um pedaço de sua história, lembranças de coisas boas ou ruins, que sejam, mas invariavelmente o remete a algum lugar no tempo em sua memória.

Mas assim segue a batalha da música, dos artistas. Em um mundo cada vez mais difícil de se viver ainda existem pessoas e suas canções que ainda nos alegram os dias e as lembranças sem ao menos um “obrigado” e sim com um “me vê esse aqui por 5 real!”