Criação artística entra em debate (texto original publicado no Diário de Pernanbuco)
Proposta que reforma lei dos Direitos Autorais de 1998 entra em consulta pública nesta segunda-feira, no site do Ministério da Cultura
Nahima Maciel // Do Correio Braziliense
Nahima Maciel // Do Correio Braziliense
Quando o Congresso Nacional aprovou a atual Lei dos Direitos Autorais, em 1998, baixar músicas pela internet era prática em início de carreira. Na época, aparelhos de MP3 estavam longe da popularidade que possuem hoje, pouco se falava em e-books, e-readers e I-pads. Naqueles tempos, preocupações como manter os livros longe das fotocopiadoras importavam mais que pensar em arquivos digitais movimentados para lá e para cá. A Lei 9.610 praticamente não leva em consideração as novas tecnologias e essa é uma das bandeiras do Ministério da Cultura (MinC) para justificar a revisão da legislação.
"Deve haver fiscalização e clareza na arrecadação e distribuição da gestão coletiva da música. Não se trata de estatizar, mas de exigir transparência "
Alfredo Manevy - secretário-executivo do MinC
O novo projeto de lei para os direitos autorais entra hoje em consulta pública no site do ministério, na forma de anteprojeto. A intenção é receber sugestões da sociedade para eventuais mudanças. É a terceira e última etapa de um processo que começou com seminários e discussões em fóruns de cultura, mas muitos dos alvos das mudanças dividem artistas e escritores e causam ansiedade atodos aqueles que têm direito a receber dividendos gerados pela reprodução da própria obra.
Recentemente, o MinC foi acusado de esconder a lei, o que gerou uma manifestação de 20 entidades, entre elas, a UNE e o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), na sede do Ministério Público, em São Paulo. "Um ministério que esconde lei não coloca em consulta pública", defende Alfredo Manevy, secretário-executivo do MinC. Por enquanto, artistas de diversas áreas se dividem entre a simpatia e a desconfiança.
Basicamente, a reforma pretende mexer em pontos que fazem da 9.610 uma legislação pouco flexível e atrasada em relação às novas tecnologias, além de sugerir uma presença forte da mão do estado na arrecadação do pagamento dos direitos. Proibições como fotocopiar livros e transferir arquivos digitais adquiridos legalmente para aparelhos de MP3 devem ganhar sinal verde na nova lei, que também criaria o Instituto Brasileiro do Direito Autoral (IBDA), destinado a fiscalizar órgãos de arrecadação de direitos autorais como o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), administrado por 10 associações às quais artistas são obrigados a se filiar se quiserem proteger suas composições. "Como sou gato escaldado, fico sempre desconfiado", diz o cantor Lobão, que simpatiza com a intenção de liberar a reprodução de obras esgotadas ou cuja reprodução esteja bloqueada por conta de herdeiros para preservação e fins educativos. "Isso parece-me bem simpático."
Já a escritora Lya Luft, autora de Perdas e ganhos, livro que vendeu 700 mil exemplares desde 2003, a lei pode acabar com o direito autoral se permitir que obras fora de catálogo sejam reproduzidas. "É um crime que parece inconcebível, não imagino como se aprovaria isso", diz a escritora, que não se preocupa com a ingerência estatal nas instituições de arrecadação dos direitos. "Essa regulação não é uma preocupação por parte dos autores, que confiam na concorrência entre as editoras para conquistar melhores condições."
Autorização - De fato, o mercado editorial serápouco afetado pela reforma. Pontos como a licença não-voluntária, que dá o direito a instituições públicas de realizarem cópias de preservação de obras sem autorização do autor ou herdeiros, e a criação do IBDA causam mais impacto. "A lei brasileira é extremamente conservadora e não garante nada à sociedade nesse aspecto", diz Manevy. "A gente acha que deve haver fiscalização e clareza na arrecadação e distribuição da gestão coletiva da música. Não se trata de estatizar, mas de exigir transparência de um ente privado. Não é o ministério que vai arrecadar. Ele vai pedir que haja uma prestação de contas e transparência."
O cantor e compositor Juca Novaes, advogado da Comissão de Propriedade Imaterial da OAB/SP e diretor da Abramus, uma das associações que integram o Ecad, entidade que reúne artistas como Ivete Sangalo e a banda Fresno, não vê com simpatia algumas propostas da nova lei. "Do que li, e estou especulando, pois não sei se essas coisas foram ou serão mantidas no texto, tenho especial divergência comos artigos que flexibilizam a interpretação do direito autoral, colocando sob uma ótica primordialmente consumista, de defesa da concorrência, e de direito de acesso da sociedade aos bens culturais", diz Novaes. "Da forma como está a redação à qual tive acesso dessa parte do projeto, será aberta uma porteira que poderá justificar futuras recusas em pagamento de direitos autorais, e isso é inadmissível. É um precedente perigosíssimo."
Transparência - Novaes também lembra que a mão do estado já esteve presente na forma do Conselho Nacional do Audiovisual, extinto em 1992, e, à época, as críticas dos artistas eram as mesmas de hoje. "As críticas à ausência de transparência do sistema são recorrentes. E o sistema, é óbvio, não é perfeito. Certamente há várias coisas a serem melhoradas. E certamente vários desses titulares recebem menos do que acham que devem receber. O problema é que estão vendendo a ideia de que a intervenção do estado será a panaceia que curará todos os males, quando a questão é complexa e qualquer entidade que venha a supervisionar o Ecad ou as associações será cobrada da mesma forma", diz o compositor.
Membro da Câmara Setorial de Música do Distrito Federal, o compositor Rênio Quintas organizou um grupo de discussão de direitos autorais e enxerga na flexibilização dos direitos um dos maiores problemas da proposta. "Se alguém quiser uma música para fim institucional, poderia sem me pedir autorização. Isso precisa ser discutido", diz o músico. "Mas sou favorável à lei porque tem mais detalhes positivos do que negativos."
Até agora, o Ecad evitou se pronunciar sobre o tema por desconhecer o texto da nova lei. O MinC garante que, antes de seguir para o Congresso, o texto fica disponível na internet e passível de registrar críticas e sugestões da sociedade civil. "As pessoas vão poder opinar artigo por artigo. Vai ser parecido com o debate da Lei Rouanet", diz Manevy.
Como é
- Inserir em equipamentos de MP3 arquivos de música e filme adquiridos em forma de CDs, DVDs ou downloads, portanto de forma legal, é crime
- Fotocopiar livros inteiros é proibido pois não prevê repasse de direitos autorais
- Não se posiciona sobre o jabá (pagamento feito pelas gravadoras para que toquem somente as músicas determinadas. Quem não paga, não toca)
- Somente os herdeiros detentores dos direitos autorais do artista morto podem autorizar reprodução ou publicação de obra antes que caia em domínio público
- Não prevê fiscalização de entidades que recolhem e repassam os pagamentos de direitos autorais
Como pode ficar
- Tiraria da ilegalidade o consumidor que adquirir arquivos digitais de forma legal e inseri-los em equipamentos de MP3
- Autorizaria a fotocópia de livros para fins educacionais, sociais e não econômicos
- Exigiria uma certidão de quitação de direitos autorais no momento da renovação de concessão de radiodifusão para evitar o jabá
- Garantiria mecanismos para que certos bens culturais não fiquem inviabilizados por conta de brigas de herdeiros
- Sugere que o estado fiscalize as instituições responsáveis pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais
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