Alexandre Mignone e eu temo uma história interessante. Em nossa primeira reunião de trabalho ele me afirmou que sabia que eu não nutria simpatia por ele, e eu confirmei, no entanto ele era minha melhor opção naquele momento. O que ocorreu dai por diante, nem Deus teria coragem de expor a fim de nos preservar. Histórias e mais histórias de uma amizade surgida e fortalecida pelos anos de trabalho sub-sequentes e grades e mais grades de cervejas, muitas delas tomadas em único dia.
Mig já beira o 50, é um cara inteligente pra cacete na mesma proporção de sua preguiça! Ócio criativo e produtivo. Ele acha que entende de politica, futebol e religião mais que todo mundo, assim como todo brasileiro.
Enfim, é um cara fantástico, por quem nutro inexplicavelmente uma grande admiração e afeto e por quem torço muito, mesmo hoje estando distante geograficamente falando.
Quem tiver interesse siga-o @Mig_One
Segue o texto.
Dra. Renata Curto
A placa tinha acabado de ser colocada. Passei com pressa, mas deu pra ler de canto de olho: Dra. Renata Curto – urologista. Tinha um compromisso dentro de uma hora, mas tive tempo de recuar dois passos, ajeitar o corpo e ler pausadamente pra ter certeza: U-R-O-L-O-G-I-S-T-A. A primeira coisa que me ocorreu foi que podia ser uma pegadinha. Olhei em volta procurando a equipe da TV. Nada! Eu estava sozinho naquele corredor e o que eu li era mesmo verdade.
Eu sempre soube que essa especialidade da medicina cuidava das partes, mas jurava que ela era, digamos, restrita aos profissionais do sexo masculino. Também já tinha ouvido dizer que depois de certa idade tem um exame aí que tem que fazer e tal. Há relatos de dedos famosos. Eu já tinha passado do prazo, mas, convenhamos, é uma decisão difícil. Não por mais de um segundo pensei: bem, que seja com uma mulher então. Tomando por estranha força, girei aquela maçaneta e adentrei ao recinto.
Dona Reginalda, a aposentada atendente, me recebeu com extrema delicadeza, como se percebesse minha agonia e a necessidade urgente de um ombro amigo. Explicou que as coisas no consultório estavam improvisadas, porque aquele era o primeiro dia da doutora (doutora! no feminino, eu ouvi diretinho), recém chegada de Araçatuba, onde era médica do valoroso exército brasileiro. Enquanto a anestesista, digo, assistente, preenchia minha ficha, ainda tive tempo de pensar na estranha ironia daquela situação. Eu seria o primeiro da doutora e ela também seria a primeira (e última) a... “O senhor pode entrar. Boa sorte”.
A expressão boa sorte ainda ecoava dentro da minha cabeça, quando fui chamado de volta realidade pela voz mais doce que já tinha ouvido na minha vida. Na falta de uma definição que minimante se aproxime de tamanha docilidade, diria que era uma voz de pele de pêssego. Numa dimensão outra entre inebriado e zonzo, apertei a mão da doutora e só então me sentei e olhei pra ela. Mas, eu não deveria ter feito isso.
Tecnicamente, era humanamente impossível que uma voz como aquela pudesse ser pronunciada por uma boca feia. Repito: impossível! Mas era verdade. E não só a boca era feia, assim como o nariz, os olhos, a sobrancelha e até a testa. Dra. Renata parecia um camelo dopado. E o pior. O conjunto da obra, ironicamente harmônico (tudo era feio na mulher), emoldurava o que nós homens internamente chamamos de carão de traveco! Perdão gente, mas eu só pensava numa coisa: caralho, me fudi!
Nitidamente preocupada, Rê (vocês já vão entender o porquê da intimidade), tentava em vão demonstrar alguma delicadeza, como se precisasse provar que os longos anos (anos!) que passou apalpando a tropa, pegando em saco de general e catucando o furico de soldado, não haviam lhe roubado a candura. Desajeitada e excessivamente simpática, agia como um avestruz que tomou um extasy. Mostrava os diplomas, os livros, justificava o consultório, mexia nos cabelos, ajeitava os óculos, andava pra lá e pra cá. Enfim parou quieta na cadeira, me fez milhões de perguntas íntimas (e eu da cor de um caqui com vergonha) e antes de me conduzir à salinha de abate, olhou bem pra minha cara e perguntou: “ai... posso de te chamar de Alê” Bem... pra quem ia pegar onde não podia e meter o dedo onde não devia, essa intimidadezinha de chamar de Alê era plenamente aceitável. Coisa pouca mesmo.
Eu nem tinha acabado de me despir, quando ouvi aquela voz de pétala de rosa amarela orvalhada dizer: “que cueca linda!” Juro que temi por uma ereção involuntária, mas contra ela era impossível! Apavorado, achando que a mulher era doida e querendo ir embora correndo, vi meu desespero se tornar pânico quando docilmente ela ordenou (com aquela voz de branca tez da manhã): “na-nani-nanão... sem cueca, peladinho, só de jaleco. Vem, vem... deita aqui, Alê.”
Confesso que me intimidava um pouco o fato dela ter sido médica do exército. Sempre ouvi falar que por lá eles tem armas de grosso calibre, enquanto o pobre mortal aqui... bem, sabe como é, né? Mas que ela num precisava daquela lupa... ah! isso não precisava mesmo. (Acho que é melhor afirmar com veemência: porra... também num é assim tão pequeno, vai!)
Imaginar que essa era a parte indolor do exame me fez marejar os olhos. Que situação ridícula! Deitado, pelado e exibindo meus dotes para uma louca recém saída do exercito, com cara hiena bêbada e ainda por cima sarcástica. Respirei fundo (calma camarada, ainda vai piorar). E piorou! Quando ela apontou a maldita lupa na direção do meu cumpadre eu estava petrificado. Meu corpo parecia uma rocha, menos a parte principal. E quando aquela luva tamanho EXGG tocou meu corpo, abri os olhos assustado ao ouvir aquela voz de Beth Farias gozando falando igual titia quando vê sobrinho novo: “ ai...ti bunitnho, guti-guti da titia, bilú-bilú. Ai, Lê (reparem na evolução da intimidade: senhor Alexandre, Alê e agora virei simplesmente o Lê pelado), que gracinha!” E a doida continuou: “hum... a base está firme, mas há sinais de desgastes nessa parte aqui ó. Já deve ter visto muita pererequinha né meu lindo. Coisa fofa da tia. “ E deu uma balançadinha lateral.
Senhor... meu pai me ajuda! Alan Kardec, He Man, alguém me tire daqui! Eu já nem conseguia mais controlar meus pensamentos, a ponto de, num exercício de autoflagelo, começar a me lembrar da música tema do filme 007 Contra Goldfinger. Mas respirei aliviado quando ela me ordenou levantar e ir para uma outra sala, onde ocorreria o gran finale. Segui todas as instruções e assumi posição numa maca meio estranha. Dra. Renatão entrou saltitante, lépida e fagueira. Passou a mão nos cabelos e me disse ao pé do ouvido, com indisfarçável regozijo: “relaxa, Lê.” Pode isso?
Confesso: já tinha abraçado a capeta faz tempo. Não tinha muito que fazer. Pelos menos ela tem a voz bonita e o sobrenome dela é Curto, pensava eu. Ela calçou novas luvas e quando vi de perto aquele indicador, pude entender o significado da expressão curto e grosso. Socorro! Faltavam apenas alguns segundos pra o fim da minha vida, quando ela enfim pronunciou a frase que me fez recobrar os sentidos e tomar uma atitude. Olhando pra mim com cara de quem fez four no flop ela disse assim: “Alê, não vai doer nada. Eu vou colocando bem devagarzinho e seu doer eu tiro!” Foi o que bastou. Pulei da maca, joguei jaleco pro alto, encarei a jararaca e pelado com o dedo em riste disse: Ei, essa fala é minha doutora. Eu que falo isso. Posso ate ser liberal, mas inversão de papeis, me desculpe, ainda num to pronto.
Dias depois, preso no transito, percebo alguém gesticulando no carro ao lado. Baixei o vidro e quase morri de susto quando Renatão gritou de lá: “ei, Alê, tudo bem? Olha, aparece no consultório qualquer hora. Vamos terminar o exame e depois, quem sabe a gente não toma um café.” As marcas dos pneus do meu carro estão até hoje no asfalto. A multa por ter avançado o sinal eu ainda não paguei. E as os danos psicológicos causados por aquela tarde no consultório... bem, eu não quero falar mais sobre isso!