Recebido através do Fórum Nacional da Música
Ligo a TV em um programa de auditório e vejo cadeiras com algumas pessoas sentadas em semicírculo. Eles respondem a um quiz do apresentador e disputam algo veementemente. Sucessivamente revezam o lugar em um palco central cantando sucessos que nunca ouvi. Percebo, então, que são “artistas”. Uso as aspas, porque devido ao alto nível da técnica vocal, da qualidade das canções, dos arranjos e da produção, esse termo pode ser subjetivo.
Freqüentemente me perguntam como pode isso ou aquilo fazer sucesso no Brasil. Não acredito, sinceramente, que essa seja a questão. A meu ver, a pergunta correta seria: como pode o resto não fazer? Por que a monocultura impera em uma cultura musical tão rica e vasta como a nossa? Por que hoje só há espaço para o simples (entenda aqui como "grosseiro" ou "popularesco") e não também para o sofisticado?
Não querendo despejar em vocês qualquer absoluta verdade senão a minha, exponho aqui como enxergo essa questão. Nossa população é em sua maioria paupérrima. Nenhuma novidade aí, apenas aqui: fraudamos, pois, por motivos políticos, a nossa taxa de analfabetismo – que em mundos civilizados é medido naturalmente por meio da interpretação de texto –, medindo por “quem consegue escrever o próprio nome”. Se entrarmos no site do IBGE encontraremos : parcela da população que não consegue interpretar texto, ou seja, a real taxa de analfabetismo (camuflada elegantemente): 64%. Portanto, 64% de 200 milhões de brasileiros = 128 milhões de analfabetos. Concluiremos, naturalmente, que essa parcela da população vai procurar se expressar, se definir e se espelhar por meio de uma cultura adequada ao seu alcance intelectual e ao seu modo de vida (salvo em casos onde a pobreza traz um isolamento tão atroz que, sem contato com o mundo exterior, acaba por proteger a cultura regional). Somo a esse primeiro fato algumas outras questões antes de chegar onde quero. A começar por quem são nossos patronos fonográficos. Quais são as maiores gravadoras hoje no Brasil? Universal, Warner, Sony, EMI. Repare que não há nessa lista qualquer nome que indique uma indústria brasileira. (note também que perguntei: quais são as maiores – e não vamos falar de Som Livre, pois, afinal, esta é uma filial da Globo ). Pois bem, dito isso – e dito que a média de lucro bruto mensal de uma gravadora Major gira hoje entre cinco e vinte milhões (dependendo da época do ano e da gravadora obviamente), pense ao final do ano fiscal para onde vai o lucro anual dessas Majors.
Foi reinvestido nas diversas fatias da cultura nacional brasileira? Ou foi diretamente para a matriz norte-americana? Quem optou pela segunda alternativa, acertou. Vai para a América do Norte, é claro, para assegurar que seja, aí sim, investida (em fatias proporcionais) na cultura musical estadunidense. Por isso, lá você encontra o sucesso de 11 milhões de cópias do verão, mas encontra simultaneamente o sucesso cult de 400.000 cópias de uma Madeleine Peyroux ou mesmo o sucesso de 100.000 cópias de um Joshua Redman; e se tudo der certo, acertar a mão na continuidade de uma Norah Jones e garantir mais 3 milhões de cópias – e mais as vendas associadas a Norah – o que acaba revitalizando o mercado de jazz e afins. Pois são esses sucessos multiplicados ao passar do tempo que tornam a cultura norte-americana emblemática e são eles que, somados ao cinema e ao turismo, tornam sua economia fortíssima.
Antes dos tanques de guerra sequer aterrissarem, todos já foram conquistados pelos filmes do Tom Cruise, já cantam a música do Ray Charles, falam a língua inglesa, fazem os passos do Michael Jackson e usam as roupas pretas do Keanu Reeves.
Voltando para nosso caso… é por isso que a contratação da equipe de uma gravadora multinacional no Brasil segue apenas um mote: venda. Venda imediata. Não importa o quê… uma vez que não há responsabilidade sociocultural ou qualquer filosofia que remeta a um investimento a médio e longo prazo. O que importa é que amanhã você tem que vender x produtos. Não há para tanto a necessidade de contratar alguém que tenha qualquer histórico de contato com cultura. Que seja visionário. Que conheça música (ao menos parcialmente). Que saiba identificar um talento que daqui a vinte anos ainda estará surpreendendo e trazendo mais emblemas para a cultura brasileira, ultrapassando fronteiras.
Muitos deles saíram da Telefônica e da GV, chamam o CD da sua vida de produto e suas reuniões motivacionais seguem a linha do Herba Life: — “Quem nesse mês vai me entregar 100.000 cópias ?!!” — “Eu! Eu!”, ao som de palmas motivadas da equipe… Agora pense… Eles estão errados? Eticamente, sem dúvida. Mas, moralmente, no mundo do capitalismo moderno, cujo lema é “faturar não importando como” e se o governo brasileiro permitiu que eles especulassem essa fatia mercadológica mesmo que, para tanto, destruam concomitantemente outras de maior potencial.
Está tudo certo, correto? Até que nós exijamos do nosso governo que, em contrapartida, exija das gravadoras multinacionais que parte dessa grana fique aqui e seja empregada nas outras fatias (menores, porém quando somadas maiores) do mercado, para revitalizá-lo. Mas, como todo bom círculo vicioso, isso não acontecerá enquanto não houver no Brasil uma compreensão (social e governamental) que investimento na cultura = a investimento na economia. E essa compreensão obviamente também não acontecerá se a nossa taxa de analfabetismo continuar nas alturas, não é mesmo? (Não estou aqui alimentando um negativismo inerte, apenas acredito que, só compreendendo a ciência do problema, poderemos achar as reais soluções).
E por que as gravadoras nacionais não concorrem de igual para igual com as multinacionais. Acontece que elas têm que disputar o mesmo mercado, com as mesmas “taxas” de veiculação nas mídias de grande impacto (perceba a ironia das aspas nesse caso). E isso só será possível, sem as inúmeras isenções fiscais que o governo brasileiro outorgou para as multinacionais em troca dos milhares de empregos que essas empresas trazem para cá (evidente que esquecemos que tais empregos aliados a tal política especulativa estrangeira geram a destruição de outros milhões de empregos).
E aí a pergunta final: — O que você tem a ver com isso? Bom, a não ser que você ache o máximo a sua filha curtir um bom funk carioca, que pagode é samba e que Tom Jobim é uma avenida muito bacana, você tem tudo a ver com isso. Embora fujamos do problema, ele nos alcança sempre. Se não nos atentarmos ao fato de que precisamos proteger aquilo que temos de bom, perderemos esse ouro muito em breve. Temos os melhores artistas do mundo e há verdadeiros universos de resistência cultural espalhados por aí. Se você é um artista, ache seus iguais, una-se, faça valer a sua identidade cultural. Trabalhe com sua gravadora (de dentro ou de fora dela) para que ela aumente seu casting qualitativo. Saia do mastigado pela mídia e surpreenda-se. Use a internet. Compre CDs nacionais, com precedentes na autêntica cultura universal, investigue aqueles que o fazem; amplie-se!! O nosso futuro merece!!
AUTOR DESCONHECIDO.
Valendo-se desse belo jargão criado pelo único Afro-Nipônico, fanho e de língua presa existente no mundo, o célebre Xing Ling Jhow, um quase filósofo nascido em uma terra em que só nasceu ele mesmo, esse blog tem por intenção falar e comentar sobre qualquer fato ou assunto ocorrido no mundo, verdadeiro ou não, o negócio é falar de alguma coisa.
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